Resumo Solutio

“Em resumo, falei dos sete principais aspectos do simbolismo da solutio: (1) retorno ao útero ou estado primal; (2) dissolução, dispersão, desmembramento; (3) contenção de uma coisa menor por uma maior; (4) renascimento, rejuvenescimento, imersão no fluxo de energia criadora; (5) prova da purificação; (6) solução de problemas; e (7) processo de derretimento ou suavização. Esses diferentes aspectos se entremesclam. Vários deles podem formar diferentes facetas de uma única experiência. Em termos essenciais, a solutio resulta do confronto entre o ego e o inconsciente. Diz Jung:

A análise e a interpretação dos sonhos confronta o ponto de vista da consciência com as declarações do inconsciente, com o que lhe amplia o horizonte limitado, Esse afrouxamento de atitudes rígidas e restritas corresponde à solução e separação de elementos pela aqua permanens. que já antes estava no “corpo” e agora é atraída, com engodos, pela arte. A água é a alma ou espírito, isto é, “substância” psíquica, que é aplicada, por sua vez, ao material inicial. Isso corresponde ao uso do sentido do sonho para esclarecer problemas existentes. A “solutio” é definida neste sentido por Dorn. “Como os corpos se dissolvem pela solução, assim também, pelo conhecimento, se resolvem as dúvidas dos filósofos.”

Essa passagem descreve, em termos essenciais, o processo analítico como uma solutio para o paciente. Contudo, o terapeuta também deve submeter-se à solutio.

(…) Jung diz sobre a natureza da psicoterapia:

O relacionamento entre médico e paciente conserva seu caráter pessoal no contexto impessoal de um tratamento profissional. Mas o tratamento não pode ser nada mais do que produto da influência mútua, na qual todo ser  do médico, assim como o de seu paciente, tem um papel… Em consequencia, é comum que as personalidades do médico e do paciente sejam infinitamente mais importantes para o resultado de tratamento do que aquilo que o médico pensa e diz… Porque o encontro de duas personalidades se assemelha à mistura de duas substâncias químicas: se houver alguma combinação, ambas as substâncias se transformam. Em todo tratamento psicológico eficaz, o médico deve influenciar o paciente; mas essa influência só ocorre se o paciente também influenciar o médico. Não se pode exercer influência se não se é suscetível à influência.

Entre médico e paciente, portanto, há fatores imponderáveis que produzem uma transformação mútua. No processo, a personalidade mais forte e estável ficará com a última palavra. Vi muitos casos em que o paciente assimilou o médico, desafiando todas as teorias e as intenções profissionais deste último em geral, embora com exceções, em prejuízo do médico.

Cada operação alquímica exibe um aspecto inferior e um superior, da mesma maneira como tem um lado positivo e um lado negativo. O fogo da calcinatio pode ser experimentado como fogo do inferno ou como inspiração do Espírito Santo. O mesmo se aplica à solutio. Afirma um texto: “Deves saber que, embora a solução seja uma só, ainda assim podemos distinguir entre uma primeira e uma segunda… A primeira solução é … a redução à Primeira Matéria; a segunda é aquela perfeita solução de corpo e espírito a um só tempo, na qual o solvente e o dissolvido sempre vão juntos, e com essa solução do corpo ocorre, simultaneamente, uma consolidação do espírito.

A solutio superior envolve, pois, uma transposição de opostos; a solução do corpo produz uma consolidação do espírito. (…) que a solução do corpo seja acompanhada da coagulação do espírito.

Eis um profundo e paradoxal simbolismo. O significado mais evidente é que uma libertação de particularidades concretas promove a realização de universais. Entretanto, a paradoxal interação de opostos tem como significado essencial que o procedimento leva ao Si-mesmo o centro transpessoal da psique, que unifica e reconcilia os opostos. Consequentemente, chegamos assim ao âmago do simbolismo da solutio, a idéia da água que constitui o alvo do processo. Vários termos são usados para essa versão líquida da Pedra Filosofal: “aqua permanens”, “elixer vitae”, “tintura”, “água filosofal”, solvente universal”, “água divina”.

[Os filósofos] dizem que toda ação e substância da obra nada são além da água; e que o seu tratamento também não ocorre senão na água… E sejam quais forem os nomes que os filósofos tenham dado à sua pedra, eles sempre se referem a essa mesma substância, isto é, à água de que tudo [se origina) e na qual tudo está [contido], que a tudo rege, na qual são cometidos erros, e na qual se corrigem os próprios erros. Dou-lhe o nome de água “filosofal”, não água comum, mas aqua mercurialis.

Aqui, a água filosofal em que tudo ocorre é tanto o início como o final da opus, a prima materia e a Pedra Filosofal. É um símbolo líquido do Si-mesmo, que contém os opostos e que transforma todas as coisas unilaterais em seu contrário. Assim é que se diz: “Essa (divina) água torna os mortos vivos e os vivos mortos; ilumina as trevas e escurece a luz.”

Da mesma maneira como se identificava a Pedra Filosofal com Cristo, assim também se vinculava a água divina dos alquimistas com a água viva que Cristo equiparou a si mesmo no Evangelho de São João: “Quem beber da água que eu lhe der não mais padecerá de sede. A água que eu dou é uma fonte interior que sempre jorra para a vida eterna.” (João 4:14, NEB.) “Quem tiver sede, que venha a mim; aquele que crer em mim beberá. Como dizem as Escrituras: Torrentes de água viva jorrarão de dentro dele.” (João 7:38, ΝΕΒ.)

(…)

Essa solutio superior é um encontro com o Numinosun, que submete à prova e estabelece a relação do ego com o Si-mesmo. Como nos dizem explicitamente os mitos do diluvio, o diluvio vem de Deus; quer dizer, a vem do Si-mesmo. Aquilo que não merece salvação é dissolvido e derretido a fim de ser recomposto em novas formas de vida. Por conseguinte, o permanente processo vital renova-se a si mesmo. O ego comprometido com esse processo transpessoal cooperará com ele e experimentará sua própria redução como um prelúdio à vinda da personalidade mais ampla, a totalidade do Si-mesmo.

EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág.96-99.

Capítulo 3 Solutio

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