Toda beleza efemera

“A ideia de que toda esta beleza seria efemera suscitou em ambos, tão sensíveis, uma sensação antecipada da aflição que lhes ocasionaria o seu aniquilamento, e uma vez que a alma se afasta instintivamente de tudo o que é doloroso, estas pessoas viram inibido o seu gozo do belo pela ideia da sua indole perecível.

Imaginamos assim possuir uma certa capacidade amorosa no começo da evolução, se orientou para o próprio Eu, para mais tarde embora, na realidade, muito precocemente se dirigir para os objetos, que desta sorte ficam de certo modo incluídos no nosso eu. Se os objetos são destruídos ou se os perdemos, a nossa capacidade amorosa (libido) volta a ficar em liberdade, e pode tomar outros objetos como substitutos, ou regressar transitoriamente ao eu. Todavia, não conseguimos explicar nem podemos a tal respeito aventar hipótese alguma porque é que o desprendimento da libido dos seus objetos tem de ser, necessariamente, um processo tão doloroso. Comprovamos apenas que a libido se aferra aos seus objetos e que nem sequer quando já dispõe de novos sucedâneos se resigna a desprender-se dos objetos que perdeu. Eis aqui, pois, a pena.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.54-55.

Caducidade (1915)

Do estado orgânico ao inorgânico

“(…) assim explicará Freud no ensaio Para além do princípio do prazer, de 1920-, a necessidade que existe antes da pulsão libidinal é a tendência de voltar do estado orgânico ao inorgânico, ou seja a tendência para a morte. Antes de Eros está Tanatos (o termo será usado pelos seus discípulos), antes das pulsões que levam à procura do prazer, está a pulsão que impele para o estado da inércia originário, como se a vida fosse um episódio transitório sobre o qual triunfa o princípio da morte, cuja expressão é o ódio, é a agressividade, que visa destruir tudo aquilo que vive. Assim nasce a segunda «tópica» freudiana, baseada não no conflito entre a libido e o Eu, mas no conflito entre o princípio de morte e o princípio de vida. É a «doutrina mitológica das pulsões (…).”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.12.

Prefácio

O outro desaparece

“O imperativo da autenticidade produz uma compulsão narcísica. O narcisismo não é idêntico ao saudável amor-próprio, que não tem nada de patológico. O amor-próprio não exclui o amor pelo outro. O narcisista, em contrapartida, é cego frente ao outro. O outro é dobrado até que o ego se reconheça nele. O sujeito narcisista percebe o mundo apenas como sombras de si mesmo. A consequência fatal: o outro desaparece.

Hoje, as energias libidinosas são investidas sobretudo no eu. A acumulação narcisista da libido-pelo-eu leva à desconstrução da libido-pelo-objeto; ou seja, da libido que ocupa o objeto. A libido-pelo-objeto produz uma ligação-com-o-objeto, que, em contrapartida, estabiliza o eu. O represamento narcisista da libido-pelo-eu adoece.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 363-368.

Terror da autenticidade