“A proposta que me foi feita pela Sociedade das Nações e pelo seu Instituto Internacional de Cooperação Intelectual de Paris, de convidar uma pessoa de minha escolha para uma troca franca de opiniões sobre um problema qualquer também escolhido por mim, oferece-me a feliz oportunidade de dialogar consigo em torno de uma pergunta que parece, na presente condição do mundo, ser a mais urgente entre todas aquelas que se põem à civilização. A pergunta é: existe uma maneira de libertar os homens da fatalidade da guerra?
Penso também que aqueles a quem compete encarar o problema profissional e praticamente, tornam-se dia a dia mais conscientes da sua impotência, e têm hoje um vivo desejo de conhecer as opiniões de pessoas absorvidas pela pesquisa científica, as quais por isso mesmo estão em condições de observar os problemas do mundo om suficiente distanciamento. Quanto a mim, o objetivo para o qual se dirige habitualmente o meu pensamento não me ajuda a discernir os obscuros recessos da vontade e do sentimento humano.
Sendo imune a sentimentos nacionalistas, vejo pessoalmente uma maneira simples de enfrentar o aspeto exterior, isto é organizativo, do problema: os Estados criam uma autoridade legislativa e judicial com o mandato de conciliar todos os conflitos que surjam entre eles. Cada Estado assume a obrigação de respeitar os decretos desta autoridade, de invocar as suas decisões em cada contenda, de acatar sem reserva o seu julgamento e de pôr em prática todas as medidas que forem julgadas necessárias para fazer aplicar as próprias resoluções. (…) Existe aqui uma realidade da qual não podemos prescindir: direito e força são inseparáveis e as decisões do direito aproximam-se da justiça, à qual aspira a comunidade em cujo nome e interesse são pronunciadas as sentenças, somente na medida em que essa comunidade tem o poder efetivo de impor o respeito do próprio ideal legalitário. (…) Chego assim ao meu primeiro axioma: a procura da segurança internacional implica que cada Estado renuncie incondicionalmente a uma parte da sua liberdade de ação, o que equivale a dizer à soberania (…)”
FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.59-60.
Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)
“Carta de Einstein a Freud”