“Por fim, nessa descrição da vida de Cristo e de sua paixão, o ensinamento ortodoxo oferece meios de interpretar elementos fundamentais da experiência humana. Ao rejeitar a visão gnóstica de que Jesus era um ser espiritual, a ortodoxia insiste em que ele, como o resto da humanidade, nasceu, viveu com uma família, sentiu fome e cansaço, comeu e bebeu vinho, sofreu e morreu. Reiteram ainda que ele ressuscitou como um ser corpóreo. Aqui, mais uma vez, como vimos, a tradição ortodoxa implicitamente afirma que a experiência da materialidade do ser é o fato central da vida humana. O que fazemos fisicamente – comer e beber, ter vida sexual ou evitá-la, preservar a vida ou renunciar a ela -, todos são elementos vitais para nosso desenvolvimento religioso. Mas os gnósticos que consideram a parte essencial de cada um de nós como o “espírito interno” rejeitam essa experiência física, agradável ou dolorosa, encarando-a como um aturdimento da realidade espiritual- na verdade, uma ilusão. Portanto, não é surpreendente que inúmeras pessoas identifiquem-se mais com os ensinamentos ortodoxos do que com o “espírito incorpóreo” da tradição gnóstica. Não apenas os mártires, mas todos os cristãos que sofreram ao longo de 2 mil anos, que temeram a morte e morreram, sentem sua experiência legitimada na história do Jesus humano.”
PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 115.
Capítulo: 4- A Paixão de Cristo e a Perseguição aos Cristãos.