Apresentação do Livro por Mansour Challita

“Este estado emocional e espiritual e a natureza do papel que Jesus desempenhou na vida de Gibran, explicam o tipo do livro. Não é um estudo histórico nem um trabalho de exegese filosófica ou teológica. É uma evocação poética e humana do Mestre, na qual Gibran pinta de Jesus a imagem que dele carrega no coração e que havia esboçado nos seus primeiros livros, mas agora modificada e enriquecida à luz de sua evolução e amadurecimento.

Gibran vê em Jesus o homem mais sublime que já visitou este planeta, um ser de sabedoria e força ilimitadas, um poeta supremo, uma figura única em seu poder, o irmão, o guia, o ideal de todos nós em nosso anseio pela grandeza e a perfeição.

Desta figura única, superior às maiores figuras da História, Gibran havia dado fragmentos e uma visão parcial nos seus escritos anteriores. Agora, sua ambição é consagrar lhe um livro inteiro, capaz de transmitir toda a sua beleza e elevação, e torná-la tão viva e fascinante quanto a que ele próprio vê e sente.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 20.

Jesus, O Impaciente

“JESUS ERA paciente com o néscio e o estúpido, tal como o inverno espera a primavera.

Era paciente como uma montanha ao vento. Respondia com benevolência às desagradáveis perguntas de Seus inimigos.

Podia mesmo silenciar ante cavilações e disputas, pois era forte, e os fortes podem ser tolerantes. Mas Jesus era também impaciente.

Não poupava os hipócritas. Não cedia aos astuciosos nem aos malabaristas de palavras.

E não podia ser governado. Era impaciente com aqueles que não acreditavam na luz porque moravam na sombra; e com aqueles que procuravam sinais no céu mais do que em seus próprios corações. Era impaciente com aqueles que pesavam e mediam o dia e a noite antes de confiar seus sonhos à aurora e ao anoitecer.

Jesus era paciente.

Contudo, era o mais impaciente dos homens. Ele vos faria tecer o pano embora gastásseis anos entre o tear e o linho.

Mas não admitiria que ninguém rasgasse uma polegada da fazenda tecida.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 147.

Viajante

“DIZEM QUE Ele era vulgar, o rebento ordinário de uma semente ordinária, um homem rústico e violento. Dizem que só o vento penteava Seus cabelos e só a chuva assentava Suas roupas ao Seu corpo.

Consideram-No louco, e atribuem Suas palavras a demônios. Entretanto, vede, o Homem desprezado lançou um desafio, e o som desse desafio nunca se extinguirá.

Cantou uma canção, e ninguém deterá essa melodia. Ela pairará sobre as gerações e se erguerá de esfera a esfera, lembrando os lábios que lhe deram nascimento e os ouvidos que lhe serviram de berço.

Ele era um forasteiro. Sim, era um forasteiro, um peregrino em Seu caminho para um santuário, um visitante que bateu à nossa porta, um hóspede vindo de uma terra distante.

E porque não encontrou um hospedeiro cortês, voltou para Seu próprio lugar.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 144.

Poder Mental

“E agora quereis que vos explique os milagres de Jesus. Somos todos o miraculoso gesto do momento; nosso Senhor e Mestre era o centro daquele momento.

Entretanto, não era de Seu desejo que Seus gestos fossem conhecidos.

Ouvi-O dizer ao aleijado: “Levanta-te e vai para casa, mas não contes aos sacerdotes que eu te curei.”

E o pensamento de Jesus não estava com o coxo; mas antes com os fortes e os aprumados.

Sua mente procurava e capturava outras mentes, e Seu espírito visitava outros espíritos.

E ao fazê-lo, Seu espírito transformava essas mentes e esses espíritos. Parecia milagroso, mas para nosso Senhor e Mestre era simplesmente como respirar o ar de cada dia.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 133.

A Morte João Batista

“UMA NOITE, no mês de agosto, estávamos com o Mestre numa charneca perto do lago. A charneca era chamada pelos antigos Campina das Caveiras. E Jesus estava reclinado na relva e fitava as estrelas.

E, de repente, dois homens vieram correndo e chegaram, já sem fôlego, até junto de nós. Estavam como em agonia e caíram prostrados aos pés de Jesus. E Jesus levantou-se e disse-lhes: “Donde viestes?”

E um dos homens respondeu: “De Nacareus.” E Jesus olhou para ele e ficou perturbado, e disse: “Que é de João?”

E o homem disse: “Foi morto hoje. Decapitaram-no na cela da prisão.” Então Jesus ergueu a cabeça. E caminhou um pouco para longe de nós. Passado um momento, voltou para o nosso meio. E disse: “O rei poderia ter matado o profeta antes deste dia. Em verdade, o rei quis satisfazer seus súditos. Os reis de outrora não demoravam tanto em entregar a cabeça de um profeta aos caçadores de cabeças.

“Pesa-me, não por João, mas por Herodes, que deixou cair a espada. Pobre rei, qual um animal preso e levado com uma argola e uma corda. “Pobres tetrarquinhas perdidos em suas próprias trevas, como tropeçam e caem! E que tiraríeis dum mar estagnado se não peixes mortos?”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 79.

Jesus, o Prático

“NÃO COMPREENDI O significado de Seus discursos e de Suas parábolas até que Ele nos deixou. Não, não compreendi até que Suas palavras tomaram formas vivas ante meus olhos e se modelaram em corpos que caminham na procissão de meu dia. Deixem-me contar-lhes isto: Numa noite em que eu estava sentado em minha casa, meditando e recordando Suas palavras e Seus feitos para registrá-los num livro, três ladrões entraram em minha casa. E embora soubesse que eles vieram para me despojar dos meus bens, estava por demais interessado no que fazia para enfrentá-los com uma espada ou mesmo para perguntar-lhes: “Que estão fazendo aqui?”

Continuei escrevendo minhas recordações do Mestre. E quando os ladrões se foram, lembrei-me de Suas palavras: “Quem procurar tomar o teu manto, deixa-o tomar teu outro manto também.” E compreendi.

Enquanto registrava Suas palavras, nenhum homem conseguiria interromper-me, mesmo que fosse carregar todos os meus haveres.

Pois, embora eu cuide de defender meus bens, e também minha pessoa, sei onde está o tesouro maior.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 30.

Divindades Semíticas

“Os JUDEUS, como seus vizinhos, os fenícios e os árabes, não admitem que seus deuses descansam um momento sequer sobre o vento.

Cuidam demais de sua divindade e observam-se em demasia uns aos outros nas suas orações, cultos e sacrifícios.

Enquanto nós, romanos, construímos templos de mármore a nossos deuses, esse povo põe-se a discutir a natureza de seu Deus. Quando estamos em êxtase, cantamos e dançamos em volta dos altares de Júpiter e Juno, de Marte e Vênus; mas eles, em seu arrebatamento, usam vestes de estopa e cobrem as cabeças com cinzas – e até lamentam o dia que lhes deu nascimento.

E Jesus, o homem que revelou Deus como um ser de alegria, eles O torturaram, e depois O levaram à morte.

Esse povo não seria feliz com um deus feliz. Conhece apenas os deuses da sua dor.

Mesmo os amigos e discípulos de Jesus, que conheciam Sua alegria e ouviam Sua risada, criam uma imagem de Sua tristeza, essa imagem.

E na sua adoração não se elevam à altura da sua divindade; mas abaixam. divindade ao nível deles. Creio, todavia, que esse filósofo, Jesus, que não era diferente de Sócrates, terá poder sobre Sua raça e talvez sobre outras raças. Pois nós somos todos criaturas de tristeza e de pequenas dúvidas. E quando um homem nos diz: “Sejamos alegres com os deuses”, não podemos deixar de prestar atenção à sua voz. É estranho que a dor deste homem tenha sido convertida num rito. Esses povos gostariam de descobrir um segundo Adonis, um deus assassinado na floresta, e de celebrar sua morte. E pena que eles não ouçam o Seu riso. Mas confessemos, de romano para grego. Ouvimos, nós mesmos, a risada de Sócrates nas ruas de Atenas? Conseguimos jamais esquecer a taça de cicuta, mesmo no teatro de Dionísio?

E nossos pais não gostam ainda de parar às esquinas para tagarelar sobre aflições e ter um instante feliz, lembrando o lúgubre fim de todos nossos grandes homens?”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 119-120.

Crucificação

“SOLTARAM-ME E escolheram-No. Depois Ele subiu, e eu cai. E fizeram Dele uma vítima e um sacrifício para a Páscoa. Fui libertado de minhas correntes, e caminhei com a multidão atrás Dele, mas eu era um homem vivo seguindo para minha própria sepultura.

Quando O pregaram em Sua cruz, eu estava lá.

Via e ouvia, mas parecia-me que eu estava fora do meu próprio corpo. O ladrão que crucificaram à Sua direita disse-lhe: “Estás sangrando comigo, mesmo tu, Jesus de Nazaré?”

E Jesus respondeu e disse: “Não fosse por este prego que segura minha mão, eu me estenderia e apertaria tua mão.

“Fomos crucificados juntos. Oxalá tivessem erguido tua cruz mais perto da minha.” Depois, olhou para baixo e fitou Sua mãe e um jovem que estava de pé ao lado dela. E disse: “Mãe, olha teu filho de pé ao teu lado. “Mulher, olha um homem que levará esta gotas do meu sangue ao País do Norte.”

E quando ouviu as lamentações das mulheres da Galileia, disse: “Vede, elas choram e eu tenho sede.

“Estou preso alto demais para alcançar suas lágrimas. “Não tomarei vinagre e fel para aplacar esta sede.”

Depois, seus olhos se abriram largamente para o céu, e Ele disse: “Pai, por que nos abandonaste?” E depois disse com compaixão: “Pai, perdoai-lhes por que não sabem o que fazem.”

Quando pronunciou estas palavras, pareceu-me ver todos os homens prostrados diante de Deus, implorando perdão pela crucificação desse único homem. Depois, Ele disse novamente em alta voz: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito.” E por fim ergueu a cabeça e disse: “Agora tudo está ter minado, mas apenas sobre este monte.” E fechou os olhos.

Então, relâmpagos rasgaram os céus escuros, e ouviu-se um grande trovão.

Sei agora que aqueles que O mataram em meu lugar provocaram meu tormento interminável. Sua crucificação não durou mais do que uma hora. Mas eu serei crucificado até o fim de meus anos.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 161-162.

Os Milagres de Jesus

“PERGUNTAS-ME SOBRE os milagres de Jesus.

Cada milhar de milhar de anos, o sol e a lua e a terra e todos os seus planetas irmãos postam-se numa linha reta, e conferenciam juntos por um instante.

Depois, lentamente se dispersam e esperam que passe outro milhar de milhar de anos.

Não há milagres além das estações; entretanto, nem vós nem eu conhecemos todas as estações. E que seria se uma estação se fizesse manifesta na forma de um homem?

Em Jesus, os elementos de nossos corpos e de nossos sonhos ajuntaram-se de acordo com a lei. Tudo o que era perdido no tempo antes Dele, Nele encontrou seu tempo. Dizem que Ele deu vista aos cegos, e fez andar os paralíticos, e arrancou demônios dos loucos.

Talvez a cegueira não passe de um pensamento escuro que pode ser dominado por um pensamento luminoso. Talvez um membro paralítico não signifique senão uma indolência que pode ser estimulada pela energia. E talvez os demônios, esses elementos inquietos de nossa vida, possam ser expulsos pelos anjos da paz e da serenidade.

Dizem que Ele trouxe os mortos à vida. Se me puderdes dizer o que é a morte, então eu vos direi o que é a vida.

Observei num campo uma bolota, uma coisa aparentemente parada e sem utilidade. E na primavera, vi aquela bolota criar raízes e crescer – princípio de um carvalho – na direção do sol.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 84.

Seu Poder

“DIZEM QUE Jesus de Nazaré era humilde e manso. Dizem que, embora justo e reto, era homem tímido, e foi confundido muitas vezes pelos fortes e poderosos; e que, quando se achava diante de homens de autoridade, não passava de um cordeiro entre leões.

Mas eu digo que Jesus tinha autoridade sobre os homens e que conhecia Seu poder e o proclamava entre as colinas da Galileia e nas cidades da Judéia e da Fenícia. Que homem condescendente e brando diria: “Eu sou á vida, eu sou o caminho para a verdade“?

Que homem manso e humilde diria: “Eu estou em Deus, nosso Pai; e nosso Deus, o Pai, está em mim“? Que homem inseguro de sua própria força diria: “Quem não acredita em mim não acredita nesta vida nem na vida sem piterna”?

Que homem incerto do amanhã proclamaria: “Vosso mundo passará e se converterá em cinzas esparsas antes que passem minhas palavras”? Duvidava Ele de si mesmo quando disse àqueles que tentavam embaraçá-lo com uma prostituta: “Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra“?

Temeu a autoridade quando lançou os cambistas para fora do átrio do templo, embora fossem licenciados pelos sacerdotes?

Estavam Suas asas aparadas quando gritou bem alto:

“Meu reino está acima de vossos reinos terrenos”? Estava procurando abrigo em palavras quando repetiu e tornou a repetir: “Destruí este templo, e eu o reconstruirei em três dias”?

Era um covarde quem sacudiu o punho à face das autoridades e chamou-lhes “mentirosas, vis, corruptas e degeneradas”?

Um homem bastante ousado para dizer essas coisas àqueles que governavam a Judéia poderia ser considerado manso e humilde? Não. A águia não constrói seu ninho no salgueiro-chorão. E o leão não busca sua caverna entre as samambaias. Sinto-me mal e minhas entranhas agitam-se e revoltam se dentro de mim quando ouço os débeis de coração chamarem Jesus humilde e manso, para assim justificarem sua própria debilidade; e quando os calcados aos pés, para seu consolo e conforto, falam de Jesus como de um verme brilhando a seu lado.

Sim, meu coração fica doente com tais homens. Pois o que eu prego é o caçador poderoso e o espírito invencível das alturas!.”

GIBRAN, Gibran Khalil.  Jesus, o Filho do Homem. Tradução: Mansour Challita. Associação Cultural Internacional Gibran, 1973, pág. 53-54.