Carregando a Cruz

“Era cerca de meio-dia, e a viagem de Antônia ao Gólgota (Calvário) foi realizada em uma das ruas principais, cuja extensão era de aproximadamente 8 quilômetros (…)

A maioria dos estudiosos apóia a teoria de que somente a barra horizontal ou patibulum, que pesava entre 22 e 27 quilos, era levada pelo crucarius ao local da crucificação. Relatos na literatura indicam que os romanos tinham centenas, às vezes milhares de estacas já prontas do lado de fora dos muros da cidade.

(…)

A exaustão foi acompanhada pela falta de ar, pelo fluido pleural que estava lentamente se acumulando em Seus pulmões e por um possível pneumotórax devido ao brutal açoitamento, além dos efeitos da jornada ao Calvário.

O sol do meio-dia estava forte e o suor pingava do rosto e do corpo de Jesus. O forte calor do sol e o peso da barra da cruz em Seu ombros irritados, considerando a condição em que Ele se encontra, causaram intensa fraqueza e tontura, fazendo que Ele tropeçasse, s desequilibrasse e caísse. (…) considerando-se Sua condição física, há poucas dúvidas de que Ele tenha caído inúmeras vezes antes de chegar ao Calvário. Era o exactor mortis o responsável por assegurar que crucarius não morresse antes de ser crucificado. A gravidade do estado de Jesus certamente era conhecida pelo exactor mortis. Ele tinha receio de que Jesus não se levantasse novamente e não conseguisse cumprir suas ordens assim, ordenou a Simão de Cirene, um transeunte, que carregasse o patibulum para Jesus.

Figura: 4-6

Carregando a cruz. O crucarius carregava a barra horizontal (patibulum) nos ombros ou tinha o objeto amarrado nos braços (a e b), pois a estaca (stipes) já se encontrava montada no chão, do lado de fora dos portões da cidade. Somente em raras ocasiões a cruz inteira era carregada (c).

As vestes de Jesus estavam praticamente grudadas em Seu corpo por causa do sangue coagulado nas feridas causadas pelo açoitamento, Segundo as normas romanas, a roupa era removida durante o açoitamento, mas por causa das disposições judaicas a vestimenta de Jesus foi mantida na jornada ao Calvário.(…) Fico imaginando como o soldado fez isso. Teria ele molhado o tecido para amolecer o sangue coagulado, como os médicos e enfermeiras geralmente fazem ao remover uma atadura grudada em um ferimento? (…) A roupa foi arrancada, causando surtos de dor pelo corpo de Jesus.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 63-67.

 

A Estrada para o Calvário

“Em estado lastimável, Jesus flagelado foi levado ao pretório pelos soldados. Seu corpo estava cruelmente desfigurado e atormentado pela dor do terrível açoitamento, Sua visão estava embaçada. Coberto de sangue por causa das lacerações, escoriações e machucados que cobriam Seu corpo, Ele mal podia ficar de pé. Secreções e vômito manchavam Seu rosto e a vestimenta.

(…)

Figura: 4-1

a) cruz simples (simples estada;  b) crux immissa ou crux capitata (convencional)  c) cruz commissa (T ou cruz Tau) d) crux descussata  (cruz de Santo Andé).

Nossos experimentos de suspensão, em que utilizamos a crux commissa (cruz tau), revelaram que havia espaço adequado para o titulus. Parece, então, que a cruz romana foi invenção dos artistas.

(…) seria também muito difícil -em alguns casos, impossível -o crucarius carregá-la, já que ela pesava de 80 a 90 quilos; ainda mais no caso de uma pessoa que já tivesse sido açoitada antes da crucificação. E essa cruz parecia ser pouco prática, pois seria necessário um número muito grande delas, tendo em vista que os persas e os romanos ordenavam centenas e até milhares de crucificações de uma vez só. Essas crucificações em massa demandariam que muitas cruzes fossem fabricadas antecipadamente, pois cada crucarius devia ser pregado com a cruz ainda no chão, para que depois ela fosse erguida e fixada no solo – algo muito complexo para ser feito de forma massiva. Além disso, a maioria das referências históricas relata que as estacas já ficavam no chão, do lado de fora dos portões da cidade. Isso indica que o crucarius era pregado no patibulum, que seria então inserido na cavidade retangular presente no topo da estaca.

(…)

Estudos micropaleobotânicos de fragmentos de supostas relíquias da cruz verdadeira indicam que ela foi feita de pinheiro, O estudo mais definitivo, no entanto, foi feito num fragmento de madeira descoberto na ponta de um prego afixado ao osso do calcanhar de um homem crucificado por volta do ano 7 d.C., e que foi encontrado em escavações no Bairro Judeu da cidade velha de Jerusalém em 1969-70.

O estudo paleobotânico desse pedaço de madeira o relacionou com a oliveira (…)

(…)

O título, também conhecido como Titulus Crucis, era uma tábua com a descrição da natureza do crime do crucarius, e era pregada na cruz logo acima da cabeça da vítima. A tábua era carregada pelo condenada geralmente pendurada ao pescoço, do local da condenação até o do suplício na cruz.

(…)

(…) havia um uso para as três línguas em Jerusalém. O latim era a língua dos funcionários administrativos, o aramaico era falado pelos judeus da época e o grego era a linguagem do comércio internacional e da cultura.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 55-62.

 

Relato da Cruz

“(…) Monte das Oliveiras, conhecido como Getsêmani (gath shemani, que significa “prensa de azeite”) (…)

(…)

“Pai, se queres, afasta de mim este cálice, todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua’. E então apareceu um anjo do céu e lhe deu forças. E, entrando em agonia, ele orou mais intensamente: e seu suor transformou-se em gotas de sangue que caíram ao chão” (Lucas 22:42-44). Lucas, o autor da passagem, era um clínico, um grego nativo da Antioquia, que escrevia nos distritos de Acaia e Beócia. Ele era bem-educado, conhecia o idioma aramaico e estava familiarizado com as culturas judaica e greco-romana. Concluíra seus estudos na cidade de Tarso e era amigo íntimo de Paulo. Ele colheu informações de testemunhas oculares e documentos e escreveu seu evangelho em 61 d.C., aproximadamente, embora algumas fontes datem-no de 63 d.C.

(…)

Suando Sangue

(…) existe uma rara condição médica chamada hematidrose, também conhecida como Sudorcruentus, Sudor Sanguineus, Suerdesany ou hemorrhagia percutem. A condição é definida no Dicionário Médico Stedman como excreção de sangue ou pigmentos de sangue através do suor. Algumas das primeiras referencias a esse fenômeno fisiológico incluem observações de Aristóteles: “Algum suor com suor sanguinolento”.

Uma busca na vasta literatura médica revelou que um número significativo de casos de hematidrose foram gerados por extremada reação de ansiedade motivada pelo medo.”

Figura: 1-2

Figura: 1-3

“Foto microscópica da pele humana ampliada cem vezes.

a) duto de uma glândula de suor

b) área interior de uma glândula de suor 

c) fornecimento de sangue em tomo da glândula de suor.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 19-21.

 

Conclusões

“(…) E estou longe de ter a certeza de que os sábios do porvir (não digo a Ciência, ignorando quem seja esta senhora) cheguem um dia a elucidá-los completamente.

(…)

As impressões fotográficas têm todos os caracteres de um perfeito negativo fotográfico. Ora, a própria noção do negativo era desconhecida e até inconcebível no século XIV. Até pintores modernos, tendo à sua disposição os conhecimentos da arte fotográfica, não conseguiram fazer uma cópia exata do Santo Sudário.

Não há o menor traço de pintura nem sequer nas fotografias obtidas em grandes ampliações diretas; toda a gama dos claro-escuros é obtida por simples coloração individual dos fios de linho.

Acrescentemos que o corpo e, sobretudo, a face do Santo Sudário têm um caráter impessoal, sem relação alguma com qualquer estilo pictórico. E, na realidade, nenhuma pintura do século XIV, nem se quer de longe, faz lembrar deles, nem se aproxima de sua perfeição.

(…)

(…) lembremos que o cadáver do Santo Sudário está completamente nu. Pintor algum jamais ousou representá-lo assim. E com muito mais razão, um falsário não teria tido a audácia de o fazer sobre uma mortalha que ia apresentar à veneração pública dos fiéis.

(…) as imagens sanguíneas. Notemos que parecem elas, em sua maior parte, anormais, estranhas, diferentes da iconografia tradicional, que contrariam, na maioria dos casos, Ora, a experimentação me provou que são todas elas estritamente conformes à realidade.

As chagas da flagelação têm um realismo, uma abundância, uma tal conformidade aos dados arqueológicos, que ficam em notável contraste com as pobres imaginações dos pintores de todos os tempos.

As hemorragias da coroa de espinhos e os coágulos por elas formados são de uma veracidade inimaginável. Relede a descrição de um destes coágulos frontais no capitulo IV, D.

O transporte da cruz deixou vestígios perfeitamente conformes a observação que tive ocasião de fazer in vivo.

A mão está perfurada na altura do carpo, única região onde e cravo poderia sustentar solidamente o peso do corpo. Antes do conhecimento de Santo Sudário, estava o cravo sempre localizado na palma.

O polegar está em oposição na palma. E a experiência veio provar que não poderia ficar estendido.

O sangue escorre do carpo, segundo a vertical E. descoberta de gênio para um falsário, há dois fluxos afastando-se em ângulo agudo e que é insensível quando se conhecem as alternativas de soerguimento e de abatimento na luta contra a tetania asfixiante.

A chaga do coração está colocada no lado direito. E de resto à representação mais frequente, ainda bem que corresponde à realidade!

(…)

Todas as imagens sanguíneas são portanto decalques de coágulos frescos ou amolecidos pelo vapor de água, que emana naturalmente do cadáver, durante muito tempo.

As reproduções dos coágulos são de um natural e de uma verdade surpreendentes, até em seus menores detalhes. Não são executáveis a não ser pela natureza que, tendo-os formado sobre a pele, os decalcou no tecido. São perfeitas reproduções de coágulos naturais.

A maioria dos crucificados devia ter, é verdade, quase todos estes estigmas (inclusive a flagelação regulamentar e, em certos casos, o lançaço). Mas este foi retirado de sua mortalha ao cabo de muito curto tempo: o pouco que já conhecemos sobre as impressões, nos prova que uma exposição muito prolongada, ou pelo menos a putrefação, teria diluído  e velado essas impressões negativas – Além disso, por causa de qual outro crucificado teriam conservado tão piedosamente sua mortalha?

E ainda mais, qual foi o crucificado que, sob o pretexto irónico de realeza, foi coroado de espinhos? A história só nos cita um: o dos Evangelhos.

(…)

Espero ter dado a impressão, de acordo com a realidade, que as compreendi com toda independência de espírito, com a máxima objetividade científica. Comecei as com certo ceticismo, pelo menos com uma dúvida cartesiana, para verificar as imagens do Santo Sudário; pronto para rejeitar-lhes a autenticidade se não quadrassem com a verdade anatômica.

Mas, muito pelo contrário, à medida que apareciam os fatos, vinham estes se agrupar em um feixe de provas cada vez mais convincentes. Não somente as imagens se explicavam por uma simplicidade que já lhes consagrava a veracidade, mas, quando apareciam, à primeira vista, anormais, a experiência vinha demonstrar que eram como o deviam ser, que não podiam ser diferentes, nem tais como um falsário as teria feito seguindo as tradições iconográficas correntes. A anatomia dava, portanto, seu testemunho em favor da autenticidade de pleno acordo com os textos evangélicos.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 186-191.

 

Descida da Cruz

“O Corpo de Jesus foi transportado horizontalmente, mas tal qual se achava na cruz, até a proximidade do túmulo; somente ali é que foi depositado na Mortalha.

(…) se as coisas se tivessem passado de outra forma, a parte posterior do Sudário teria ficado inundada de sangue durante o transporte.

A maior parte do sangue se perdeu (…) Dele não restou senão o que se coagulou sobre a pele, pouco a pouco, enquanto escorria. Depois que o corpo foi assim transportado nu e colocado, após o transporte, na Mortalha, recebeu unicamente a impressão dos coágulos de sangue, forma dos sobre a pele das costas durante o trajeto.

De que maneira então foi Jesus Cristo transportado sem que lhe tocassem o corpo?

Sobreveio a morte, como propôs Dr. Le Bec e como confirmou, por observação experimental, Dr. Hynek, após contrações tetânicas de todos os músculos. Essas dolorosas cãibras generalizadas constituem aquilo que chamamos de tetania. Esta nada tem a ver (insisto para os não médicos) com o tétano, doença infecciosa que produz cãibras análogas. Essa tetanização acabou por atingir os músculos respiratórios, de onde a asfixia e a morte. O condenado não podia escapar à asfixia senão erguendo-se sobre os cravos dos pés, para diminuir a tração do corpo sobre as mãos; cada vez que quisesse respirar mais livremente ou falar, deveria ele assim se erguer sobre os cravos dos pés, é verdade que à custa de outros sofrimentos.

(…)

Vimos, além disso, que o duplo fluxo de sangue do punho cor responde a esta dupla posição, alternante, com suas duas angulações um pouco divergentes. Nestas condições a rigidez cadavérica deveria ser extrema, como com os doentes que vêm a morrer de tétano: o corpo estava rígido, fixado na posição da crucifixão. Podia ser levantado sem que se dobrasse, seguro apenas pelas duas extremidades, como um corpo em catalepsia.

Dado isto, é possível: a) despregar os pés arrancando os cravos do stipes; b) abaixar o patibulum com o corpo rígido; c) transportar o conjunto sem nenhum artifício: dois homens sustentando as duas extremidades do patíbulo e um outro sustentando os pés, ou até só o pé direito que ficara por trás, na altura do tendão-de-Aquiles e do calcanhar. Esta do corpo foi assim a única tocada durante o transporte.

3.- Ora, na impressão do pé direito sobre o Sudário, verifica-se precisamente: a) que a parte posterior do calcanhar está mal marcada, o que contrasta com o resto da impressão plantar, bastante nítida; isto faz parecer, à primeira vista (como já o notamos), que o pé é mais curto do que na realidade; b) que o fluxo de sangue que desceu, durante o transporte horizontal, da chaga plantar para o calcanhar, não atingiu a parte posterior deste, parte mal-marcada no Sudário. Explica-se isto, facilmente, se esta parte estivesse de fato coberta pelas mãos do transportador, que sujaram o calcanhar e impediram o sangue de correr até lá.

É provável que tivessem sido cinco os transportadores, e não três para carregar aquele corpo de cerca de 80 quilos e o pesado patíbulo que pesava não menos de 50 quilos. Os dois suplementares sustentavam o tronco, por meio de um pano torcido para formar uma cinta, que atravessaram por sob a parte inferior do tórax, na altura dos rins,

(…) O fluxo de sangue que se coagulou, transversalmente nas costas, está constituído por meandros irregulares, várias vezes bifurcados e depois se reunindo de novo, o que está pouco de acordo com um fluxo regular de sangue que não tenha tocado em coisa alguma, 3º- Ao contrário, um pedaço de pano irregularmente torcido, sustentando a parte inferior do tórax, deve necessariamente ter-se impregnado completamente de sangue durante o transporte; do qual pequena parte se coagulou, irregularmente, à superfície da pele que podia atingir diretamente, através das pregas do tecido, nos pontos em que este não a comprimia.

A rigidez cadavérica, que permitiu que se transportasse o corpo sem que se dobrasse sob a influência de seu peso, não é um obstáculo que impeça estando o cadáver colocado na Mortalha despregadas as mãos e retirado o patibulumque se levassem os braços da abdução para a adução, e se cruzassem as mãos diante do púbis A experiência nos mostra que não há rigidez cadavérica que não se consiga vencer com um pouco de força, ainda que tenha sido bastante intensa para resistir ao peso do corpo.

1) Os pés são despregados do “stipes”, havendo um só crave a arrancar da madeira.

2) Abaixa-se o patíbulo com o corpo, sem despregar as mor O conjunto é transportado em bloco, sem nenhum artificio, por cinco carregadores, dos quais só um toca o corpo na altura dos calcanhares; outros dois sustentam o dorso com um pano enrolado para uma cinta, que se impregna de sangue. Os dois últimos levam as extremidades do patíbulo.

3) O corpo só foi colocado no Sudário no fim do transporte, durante o qual uma pequena pane do sangue se coagulou transversalmente, nas pregas da cinta, sobre a pele das costas. Esses coágulos em forma de meandros irregulares darão lugar ao “fluxo transversal posterior” ao se decalcarem, ainda frescos, sobre o Sudário.

4) Colocam o corpo no Sudário (provavelmente sobre a pedra chamada da unção). No último instante devem ter cessado de sustentar o dorso com a cinta que, embebida de sangue, teria manchado muito o Sudário.

5) Despregam as mãos, retiram o patíbulo e puxam os membros superiores, cruzando as mãos diante do púbis.

6) Dobram em seguida a outra metade do Sudário, por cima da cabeça (“epi ten kephalen”), cobrindo a face anterior do corpo.

7) Deposição no túmulo.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 158-161.

 

Chaga do Coração

“(…) O Lançado dado no lado direito atingiu a aurícula direita do coração, perfurando-lhe o pericárdio.

(Jo 19,33 s.)- “Ora, quando (os soldados) vieram a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados lhe abriu o lado com a lança e, ato contínuo, saiu sangue e água”.

(…)

Mas limitemo-nos ao texto evangélico: um dos soldados feriu-lhe o lado com a lança, e logo saíram dali sangue e água. Pedi à anatomia e à experimentação a explicação deste texto, e agora vamos ouvi-la de tal como me responderam.

A Mortalha tem manifestamente os traços dessa chaga do lado esquerdo, o que quer dizer, sendo suas imagens inversas, que o cadáver a tinha do lado direito.

(…) o estigmatizado teria a chaga localizada do mesmo lado em que vê a chaga de Jesus crucificado. Em vez de propor teorias também científicas, prefiro confessar que isto ultrapassa o domínio da ciência e respeitar o mistério destes fenômenos.

(…)

Na parte superior da imagem sanguínea se distingue nitidamente, tanto no original como nas fotografias, uma mancha oval com o eixo maior um tanto oblíquo de dentro para fora e de baixo para cima, que dá, nitidamente, a impressão da chaga do lado, de onde saiu este sangue. Tem esta chaga 4,4 cm no eixo maior e 1,5 cm na altura. É dela que devemos procurar a localização exata para a transferir a outro corpo. Notemos, de passagem, que a relíquia do ferro de lança que se encontra no Vaticano tem 45 mm, em sua parte mais larga. As chagas são sempre mais estreitas do que os agentes perfurantes por causa da elasticidade da pele.

A extremidade interna da chaga está a 9,5 cm abaixo e um pouco para fora do mamilo, em uma horizontal que passa a 9 cm abaixo dele.

A) IN VIVO. RADIOGRAFIAS

(…) a lança escorregou sobre a sexta costela, perfurou o quinto espaço intercostal e penetrou na profundidade. Que encontrou em seguida? A pleura e o pulmão.

O lançaço foi, portanto, oblíquo e próximo da horizontal, o que é fácil de executar se a cruz, como penso, não fosse muito alta.

Esse golpe desferido ao coração pela direita, sendo sempre moral deveria constituir um dos golpes clássicos e ser ensinado nos exércitos romanos; tanto mais que o lado esquerdo estava normalmente protegido pelo escudo. Encontrei aliás, ao reler os “Comentários de César que a expressão “latus apertum – lado descoberto (desprotegido) era clássica para designar o lado direito.

Então a ponta se dirige naturalmente através da parte anterior, delgada, do pulmão direito e atinge, segundo as radiografias, após um trajeto de 8 cm, o bordo direito do coração envolvido pelo pericárdio.

Ora, aqui está o cerne da questão, a parte do coração que ultrapassa à direita o esterno é a aurícula direita. Essa aurícula, prolongada em cima pela veia cava superior e embaixo pela veia cava inferior, está sempre, no cadáver, cheia de sangue líquido.

(…)

Se o golpe tivesse sido desferido do lado esquerdo, teria atingido os ventrículos, que no cadáver estão vazios.

B) NO CADÁVER. EXPERIÊNCIAS

O sangue vem, portanto, naturalmente, do coração, e em tal quantidade não poderia vir senão dali. Mas de veio a água?

(…)

Era, portanto, a água líquido pericárdico. Pode-se supor que após aquela agonia excepcionalmente penosa, que foi a do Salvador, esse hidropericárdio fosse particularmente abundante e suficiente para que São João, testemunha ocular, tivesse podido ver claramente correr sangue e água. Para ele a serosidade não podia ser senão água, da qual tem toda a aparência.

(…)

Meu amigo Judica (…) Para ele, trata-se de “pericardite serosa traumática”. Essa pericardite fora provocada pelos golpes, pauladas e sobretudo pela flagelação atroz sofrida pelo tórax, no pretório. Tais violências poderiam bem provocar uma pericardite que, após estádio muito curto de hiperemia, não excedendo, muitas vezes, senão algumas horas, produz um derramamento seroso rápido e abundante.

OUTRAS HIPÓTESES

Sim! São João era bem clarividente. O que viu foi, sem dúvida, o sangue da aurícula e a água do pericárdio. 

(…)

O que aconteceu, agora, durante o transporte em posição horizontal, da Cruz para o Túmulo? Não esqueçamos que a chaga do coração é nitidamente lateral, está situada na região subaxilar. É muito provável que, nesta posição, o líquido pleural aflore a esta chaga e pelo lado direito, como o descrevi. Esta saída de sangue e serosidade foi favorecida pelas oscilações transversais, inevitáveis no transporte. Foi esta mescla hidroemática que se espalhou transversal mente na parte inferior das costas, no meio das pregas da faixa que suponho tenha sido usada no transporte. Uma tal diluição do sangue explica talvez o largo halo em volta, de coloração muito pálida, que envolve e ultrapassa para cima e para baixo os coágulos irregulares dia hemorragia posterior.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 138-153.

 

Chagas dos Pés

“Vê-se logo na imagem posterior do Sudário que os dois pés estão cruzados. O direito marcou uma impressão total, à qual voltaremos em breve. Do esquerdo vê-se o calcanhar e a parte média; mas se introduz obliquamente por trás do direito (portanto, na cruz, estava na frente), cruzando seu bordo interno, e sua parte anterior não é visível.

(…) O que complica as imagens são os fluxos de sangue que se espalham sobre quase todo o comprimento dos dois pés, para a frente e para trás dos orifícios dos cravos, e ultrapassam as impressões. Parece certo que o sangue, que deslizara em direção aos dedos sobre a cruz, continuou a escorrer, mas, durante o transporte ao túmulo, em direção dos calcanhares, pela posição horizontal em que era levado o corpo. Uma parte formou, na metade posterior da sola dos pés, coágulos que ficaram decalcados. Mas uma parte deve ter continuado a escorrer, até na Mortalha, por fora do calcanhar. Além disso, o tecido se dobrara em pregas longitudinais, de sorte que certos coágulos frescos e sangue líquido transudaram sobre a face oposta da prega.

(…)

(…) ainda no sepulcro os pés ficaram parcialmente cruzados. Dado o que sabemos sobre a rigidez cadavérica, significa isto que estavam ainda mais cruzados na cruz, o esquerdo sobre o direito, com sua sola repousando no dorso do direito. Quando despregados, e a corpo estendido, tenderam pela força da gravidade a voltar à paralela, mas a rigidez ainda os conservou um tanto cruzados.

A rigidez cadavérica foi certamente rápida e considerável, provavelmente instantânea, em consequência das fadigas da agonia de Jesus e suas contrações.

Essa hiperextensão, devida ao fato de terem sido os pés cravados de cheio sobre o ramo vertical da cruz, facilitou bastante a formação da bela impressão plantar do pé direito que naturalmente repousa sobre o Sudário.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 129-130.

 

Chagas das Mãos

“Os cravos estão exatamente na dobra de flexão do punho, os polegares em oposição nas palmas e em ligeira flexão. Por acréscimo, os dois pés estão pregados diretamente sobre a haste vertical da cruz, e o direito por trás do esquerdo.

(…)

(…) os textos sagrados, aos quais devemos toda nossa submissão, não são tão explícitos. Não falam de palmas, mas de mãos. Aos anatomistas compete dizer o que é a mão. Em todos os tempos e em todos os países se entendem muito bem sobre a questão: a mão se compõe do carpo, metacarpo e dedos.

(…)

Sobre o dorso da mão esquerda que passa adiante da outra, vê-se pelo contrário uma chaga das mais nítidas, que se pode estudar em todas as suas minúcias. Está formada por uma imagem arredondada, de onde parte abundante fluxo de sangue, que torna a subir obliquamente para o alto e para fora. (…) Um outro fluxo mais tênue e recortado remontou a cotovelo, Seguiu, ao que parece, um sulco por entre dois grupos musculares extensores; de trecho em trecho escapava para o bordo cubital, no sentido da gravidade.

Na cruz, a grande hemorragia principal era, está claro, vertical, seguindo a lei da gravidade. Pôde-se calcular, de acordo com o ângulo deste fluxo com o eixo do antebraço, qual era a obliquidade deste em relação à cruz. Fazia com a vertical um ângulo de cerca de de 65°.

(…)

Que me perdoem todos esses algarismos! Queria encarar o problema sob todos os seus aspectos; depois disso, podemos dizer que a anatomia e a geometria estão de acordo: tudo concorre a me fazer pensar que os braços foram cravados mais ou menos transversalmente e depois desceram até os 65°.- E foi precisamente este ângulo que medi na Santa Mortalha.

(…) eu mesmo crucifiquei um cadáver para verificar essas angulações, estendi-lhe os braços mais ou menos transversalmente sobre os braços da cruz, sem medir ângulo algum, rapidamente, como um bruto carrasco com pressa de acabar sua tarefa, e os preguei em poucos segundos. E ao erguer a cruz à vertical esses braços tomaram, por si mesmos, um ângulo que eu medi e que era exatamente 65°.

Quando se olha mais de perto o punho esquerdo estampado no Santo Sudário, percebe-se que há dois fluxos principais de sangue, oriundos de uma mesma zona central que é a chaga do cravo. Esses dois fluxos, ligeiramente divergentes, formam um ângulo de cerca de 5°. Bastante meditei sobre esta imagem estranha (são estas as mas instrutivas e as mais verdadeiras em todo este estudo) sem conseguir descobrir-lhes a significação. Creio que hoje descobri, atribuindo os fluxos à mudança da posição do corpo.

(…) que a suspensão pelas mãos provoca nos crucificados um conjunto de cãibras, de contrações que se vão generalizando até o que chamamos de “tetania”. Atinge ela, por fim, os músculos inspiradores, impedindo a expiração; os supliciados, não mais podendo esvaziar os pulmões morrem por asfixia. Podem, no entanto, escapar momentaneamente esta tetania e à consequente asfixia, soerguendo o carpo mediante apoio nos pés. Neste momento, os joelhos e os quadris se alongam, o corpo remonta e por conseguinte o ângulo dos antebraços com a vertical aumenta ligeiramente, aproximando-se do ângulo reto primitivo. O corpo passa então alternativamente durante a agonia por uma posição de abatimento e asfixia, e por outra de soerguimento e alívio. 

(…)

Fiz a seguinte experiência: acabando de amputar um braço no terço superior, de um homem vigoroso, enterrei meu cravo de 8 mm de lado a lado (igual ao cravo da Paixão) em plena palma no 3º espaço. Suspendi devagarinho ao cotovelo 40 quilos (isto é, metade do peso de um homem que tivesse cerca de 1,80 m). Depois de 10 minutos, a chaga se havia esticado, e o cravo estava na altura das cabeças metacarpianas. Dei então uma sacudidela muito moderada no conjunto e vi o cravo franquear bruscamente o ponto do espaço retraído pelas duas cabeças metacarpianas e dilacerar bastante a pele até a comissura. Uma segunda ligeira sacudidela fê-lo arrancar o que restava da pele.

(…)

(…) os cravos eram o processo mais frequente, ainda para os escravos. As cordas eram mais raras, salvo para alguns países como o Egito. Que se tenha alguma vez associado cordas e cravos é coisa que texto algum sugere; e, como isto seria inútil, creio que o podemos negar ousadamente.

(…)

Podemos agora reconstituir muito exatamente a crucifixão, tal qual foi feita. O patíbulo (isto é, a trave horizontal da cruz), carregado ao local do suplicio pelo condenado, era lançado à terra, para, em seguida, ser o réu estendido sobre ele. Os braços esticados pelos carrascos ficam naturalmente paralelos ao patíbulo, fazendo um ângulo de 90° com o corpo. Os carrascos tomam as medidas e, com qualquer instrumento perfurador, esboçam os buracos na trave. Quanto às mãos, bem o sabem eles, será mais fácil perfurar; mas na madeira os cravos entram com menos facilidade. Depois, cravam uma das mãos, puxam a outra e a cravam também. O corpo de Nosso Senhor já reproduz o T da cruz, formando os braços e o patíbulo um ângulo de 90° em relação ao corpo.

(…)

Colocam então o paciente de pé, erguendo as duas extremidades do patíbulo, que içam até enganchá-lo no alto da haste vertical da cruz o que vem a constituir a cruz em Tau. Neste momento o corpo se aba te, alongando os braços que passam de 90° a 65°. Não falta senão pregar os dois pés, como o veremos, um sobre o outro, com um único cravo, dobrando os joelhos que logo tomam sua posição de abatimento, Formam os joelhos um ângulo posterior de cerca de 120%; os quadris e os tarsos formam um ângulo anterior de mais ou menos 150°.

Quando, para escapar à asfixia, o corpo se apoiando-se sobre o cravo dos pés, os braços voltarão para a mas, segundo o Sudário, não ultrapassarão os 70°. Ao mesmo tempo, os ângulos dos joelhos, dos quadris e dos tarsos se abrirão.

(…)

Mas já verificamos, e ainda veremos para os pés e para o coração, como todas as imagens sanguíneas coincidem, sem exceção, e de modo espantosamente precioso, com a realidade anatômica. É este conjunto cerrado, digamos até, esta unanimidade de veracidade que constitui uma presunção de verdade equivalente a uma certeza. Se houvesse, ali, uma única exceção, poderia hesitar e não conceder à Mortalha uma confiança que aumentava à proporção que ia fazendo minhas experiências. Ainda mais se firmou esta confiança quando vi o coágulo do punho, em vez de provocar um só fluxo de sangue vertical, apresentar nitidamente dois, separados como estão por uma distância angular. Isto coincide manifestamente com o que sabemos experimentalmente da morte por asfixia e dos esforços de soerguimento feitos pelo Crucificado. Seria necessário vazar os próprios olhos para não ver em todas essas imagens sanguíneas o puro reflexo da realidade.

(…)

(…) toda essas imagens sanguíneas não podem ser outra coisa senão decalques de coágulo e de forma nenhuma manchas de tinta. Passo a resumir minha demonstração: têm estes coágulos um aspecto de verdade e uma naturalidade tal que somente a natureza os teria feito assim, e nós os podemos reconhecer como quem reconhece antigos conhecidos. Somente eles ao se decalcarem é que poderiam ter produzido imagens tão exatas. Lembremos que, só para imaginá-las, antes até de as pintar, seria necessário um conhecimento verdadeiramente profundo da fisiologia sanguínea, e astúcia incrível para evitar todo e qualquer deslize denunciador do falsário, que não poderia pensar em tudo. Por fim, executar uma pintura com um colorante qualquer, ainda e sobretudo com sangue, teria como resultado tão somente manchas de contornos difusos irregulares, sem bordos nítidos e sem a infinita delicadeza nem a minúcia espantosa de detalhes que apresentam as imagens do Santo Sudário.

(…)

Existe, portanto, ali uma passagem anatômica preformada, normal, um caminho natural, em que o prego passa facilmente, onde é mantido muito solidamente pelos ossos do carpo, estreitamente fixa dos por seus ligamentos distendidos pelo ligamento anular anterior, sobre cujo bordo superior repousa.

(…)

Seria possível que carrascos treinados não tivessem conhecido empiricamente este lugar apropriado para a crucifixão das mãos, que reúne tantas vantagens e é tão fácil de encontrar? A resposta é clara. E é precisamente ali que a Santa Mortalha nos mostra o sinal do cravo, ali onde nenhum falsário teria tido jamais a ideia nem a ousadia de o representar.

Estas experiências, porém, me reservariam ainda uma outra surpresa. Operava eu, e nisto insisto, sobre mãos vivas ainda, logo após a amputação do braço. Ora, verifiquei, desde a primeira vez e regularmente nas seguintes, que no momento em que o cravo atravessava as partes moles anteriores, estando a palma para cima, o polegar se do brava bruscamente e, sobretudo, se opunha na palma, pela contração dos músculos tenarianos, ao mesmo tempo que os quatro dedos se dobravam muito ligeiramente; provavelmente por excitação mecânica dos tendões longoflexores.

(…)

Jesus Cristo, portanto, agonizou, morreu e se fixou na rigidez cadavérica, com os polegares opostos nas palmas. Eis por que, no Sudário, as duas mãos vistas pelo dorso não apresentam senão quatro dedos, porque os dois polegares estão escondidos nas palmas.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 109-126.

 

Explicação dos Evangelhos Pela Arqueologia

“1°) A condenação- Para tal era necessário um motivo que caísse sob a legislação romana. Em Jerusalém, só Pilatos possuía o “jus gladii”, isto é, o direito de vida e de morte (…) Os motivos de ódio dos sinedritas não podiam, é claro, ser apresentados perante um funcionário romano. É por isso que, logo de início, acusam Jesus de levar o povo à revolta. (…) Três vezes repete Pilatos: “Nada encontrei nele que o faça merecer a morte”. Alegaram então os judeus que se fazia ele Filho de Deus, o que segundo sua própria lei implicava a pena de morte. Isso, porém, não comoveu o procurador; pelo contrário, o inquietou vagamente em sua alma supersticiosa. Para um pagão, “Filho de Deus é sinônimo de “herói”. (…) Não foi senão após numerosos giros e tentativas que os judeus acabaram finalmente por encontrar o motivo que forçaria Pilatos a condená-lo: “Ele se fez rei, e se tu o libertares não és ami go de César”. Astúcia verdadeiramente satânica, porque, além de incluir um capítulo de acusação regular de bastante gravidade, a “rebelião contra César“, veio perturbar profundamente a inquietude egoísta de um pobre funcionário colonial, de não vir a desgostar o governo central, e ainda o temor de vir a ser incluído em tentativa subversiva contra o imperador. (…)

O procurador vingar-se-á dos judeus escrevendo sobre o “titulus: “Jesus de Nazaré, rei dos judeus” (…) o que escrevi, escrevi).

2º) A flagelação- (…) em São Lucas, Pilatos repete duas vezes aos judeus Fá-lo-ei, pois, castigar e o soltarei”, de onde vemos sua intenção de infligir a flagelação, como pena em si; (…) São João, sempre mais explícito quando julga conveniente completar, sem contradizer os Sinóticos, na qualidade de testemunha ocular, nos apresenta as minúcias do processo. (…) “Então Pilatos tomou Jesus e o fez flagelar (Jo 19,1). Segue-se a flagelação, a coroação de espinhos, a saída do “Ecoe homo”, a acusação de se ter feito Filho de Deus. (…)

Como se vê, a flagelação precedeu a sentença de morte e até a maior parte cio “actio” do processo (…)

4°) Transporte da cruz- (…) só carregou segundo esse mesmo costume o patíbulo, e não a cruz inteira, como o representa a maior parte dos artistas. Já vimos como a expressão “carregar a cruz”, que só se nos gregos ou latinos traduzidos do grego, era exatamente equivalente à expressão romana “carregar o patíbulo”

(…)

Depois, os soldados, percebendo que ele não conseguiria, dessa forma, chegar ao Calvário, forçaram, segundo os três Sinóticos, um o homem de Cirene a carregar a haste horizontal, ou patíbulo. (…) Somente Lucas é quem acrescenta que a levava atrás de (“opisthen) Jesus, o que quer dizer que Jesus caminhava na frente, conduzido pelos soldados, e Simão o seguia carregando sozinho o patíbulo.

(…)

Notaremos que atestam os Evangelhos não ter sido Jesus submetido ao costume romano, segundo o qual os condenados caminhavam para o suplício completamente nus. “Despiram-no da clâmide de púrpura e lhe devolveram suas vestes para o conduzir à crucifixão. Explica-se facilmente a exceção pelo hábito que tinham os romanos de respeitar os costumes locais. Flávio José escreve (Contra Appionem “Romani subjectos non cogunt patria jura transcendere -Os romanos não forçam (os povos) submetidos a transgredir as leis pátrias”.

(…)

Imagino pelourinhos de quase dois metros, o que permitia neles enganchar facilmente o patíbulo. Os pés, com facilidade, podiam ser pregados sobre o mourão (dada a flexão das coxas e pernas, que calcularemos com exatidão), a cerca de 50 cm do solo.

(…)

Convém recordar que quando apareceram os primeira crucifixos, ainda muito raros, em fins do século V (marfim do “British Museum”), século VI (Porta de Sta. Sabina, Evangeliário de Rábula já havia quase dois séculos que a crucifixão havia sido abolida por Constantino (315, o mais tardar 330), de modo que os artistas dessa época não haviam jamais visto um crucificado.

(…)

Seria realmente interessante saber como cristãos dos primeiros séculos imaginavam a cruz. Infelizmente, era esta em o mundo romano um objeto que inspirava horror acarretava tanta infâmia que ninguém ousava exibi-la, ainda olhos fiéis. Toda a catequese apostólica antes tudo uma pregação triunfante da Ressurreição. Os primeiros crucifixos (V e VI séculos) serão imagens triunfantes de Jesus Cristo vivo, colocadas diante da cruz. Somente na Idade Média é que se desenvolveria a imagem e o culto da Paixão, a ideia mística da Compaixão.

(…)

Coisa curiosa: encontra-se a mesma disposição, com a letra M, com um traço por cima: M, que todos os arqueólogos admitem como abreviação de Mártir.

7°) Estava Jesus nu sobre a cruz? -Antes de tudo, é bem evidente que, antes de o crucificarem, lhe tiraram as vestimentas, uma vez que os soldados as dividiram entre si e tiraram a sorte de sua túnica (Jo 19,23). Trata-se, pois, de saber se conservou algum pano em volta dos rins. De acordo com o citado estudo de Pe. Holzmeister, foram os Padres unânimes em afirmar essa nudez.

A esta opinião pode-se opor um texto apócrifo tirado dos “Atos  de Pilatos, segundo o qual, depois de lhe terem tirado as vestimentas, lhe teriam restituído um “lention”, palavra grega que quer dizer “pano”, uma espécie de tanga.

Seria de admirar que os romanos, que o haviam tornado a vestir, após a flagelação, para que carregasse a cruz, contrariando seus próprios costumes, a fim de condescender com as ideias judaicas de decência e respeitar as tradições nacionais, não lhe tenham deixado sobre a cruz pelo menos este último resto de indumentária.

(…)

Em todo o caso, repito: jamais artista algum quis fazer um crucificado inteiramente nu.

Ora, é justamente isto que encontramos no Sudário. Será possível que um falsário tivesse tido ideia tão fora do comum, que iria chocar violentamente todas as nossas tradições artísticas de decência e de respeito?

8°) Fixação – (…) Jesus é pregado ao patíbulo estando este deitado ao solo. Depois é erguido juntamente com este, é encostado ao “stipes”, e todo o conjunto é erguido para ser enganchado o patíbulo no alto do “stipes”.

(…)

Ora, acabam precisamente de verificar que Jesus estava visivelmente morto e, por isso, lhe poupam o “crurifragium”, que rapidamente vai acabar com os dois ladrões, precipitando-os na tetania e asfixia, como veremos mais tarde. É sobre um cadáver, já averiguado como tal, que um dos soldados vai desferir um lançaço no coração?!

A razão está em que, se é que interpretamos bem os textos legais, este ferimento do coração era o gesto regulamentar que devia o soldado fazer para entregar o corpo à sepultura.

Segundo São João, foi depois do golpe de lança que José de Arimateia foi à fortaleza Antônia pedir a Pilatos o corpo de Jesus. Mas, desde que chegaram ao Calvário, todo o pelotão via muito bem aquele grupo de certa importância, além de “numerosas mulheres”, conforme acrescenta Marcos depois de sua enumeração nominal, que cercava Maria e João, sendo estes visivelmente os membros da família. Se todas estas pessoas se mantiveram inicialmente ao longe (“apo makrothen”), por fora do círculo das sentinelas, devem ter se aproximado após a partida dos judeus insolentes. A prova disto está nas palavras de Jesus a sua Mãe e ao discípulo amado. Talvez, até, os soldados os tivessem ouvido manifestar a intenção de pedir o corpo. Em todo o caso, era evidente que o fariam. Uma vez verificada a morte, o golpe de lança se tornava um gesto natural e favorável para preparara entrega do corpo de acordo com o regulamento. Confesso, com franqueza, que esta ideia me conforta e me faz compreender melhor.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 65-80.

 

Modalidades da Crucifixão

“C) MODALIDADES DA CRUCIFIXÃO

(…)

1°) Flagelação preliminar – Todo o condenado à morte devia ser, por lei, flagelado preliminarmente, quer fosse a execução feita pela cruz quer de outro modo: decapitação (Tito Lívio) ou fogo (Flávio José). Dela estavam isentos, segundo Mommsen, somente os senadores, os soldados e as mulheres que gozassem do direito de cidadania.

(…)

Esta flagelação, que primitivamente era aplicada sobre a cruz, passou, com o tempo, a ser aplicada no próprio local do tribunal. O condenado era ali atado a uma coluna (provavelmente com as mãos amarradas por sobre a cabeça. É a melhor maneira de imobilizar o condenado que não repousa senão sobre as pontas dos pés).

(…)

Despia-se o condenado para a flagelação. Era nu e flagelado que encetava sua marcha para o suplício, carregando seu patíbulo (Valério Máximo, Cícero).

(…) a flagelação necessitava o “flagrum”, instrumento especificamente romano. Compunha-se de um cabo curto ao qual estavam fixados grossos e compridos látegos, geralmente dois. A pequena distância de sua extremidade livre, estavam inseridas pequenas esferas de chumbo ou ossos de carneiro “tali”, como os que serviam para jogar “ossinhos”, que eram os astrágalos tirados das patas do carneiro.

Os látegos cortavam mais ou menos a pele, e as balas ou os ossinhos nela imprimiam profundas contusões. De onde se seguia uma hemorragia nada desprezível e um enfraquecimento considerável da resistência vital.

O número de golpes com o açoite era, segundo o direito judeu, rigorosamente limitado a 40. (…) Entre os romanos, a lei não conhecia outro limite senão a necessidade de não matar o condenado sob os golpes; era ainda necessário que ficasse com forças suficientes para carregar seu patíbulo e que morresse sobre a cruz (…)

2°) Carregamento da cruz – Portanto, o prévia e devidamente flagelado, fazia a pé, sem roupas e carregando seu patíbulo, o trajeto do tribunal ao local do suplício (…)

(…)  se encontra a expressão “patibulum ferre- carregar ou levar o patíbulo”. (…) O patíbulo era colocado sobre as espáduas e braços estendidos transversalmente, e em seguida amarrado nas mãos, braços e peito. Era, portanto, só o patíbulo que o condenado carregava.

(…)

O patíbulo sozinho devia pesar cerca de 50 quilos, e a cruz inteira devia ultrapassar os cem quilos. (…) o que carregava a cruz era precedido pelo “titulus”, um pedaço de madeira sobre o qual estava escrito o nome do réu e o crime pelo qual fora condenado. O título era, depois, fixado sobre a cruz.

3°) Modo da crucifixão- (…) Se, porém, a crucifixão for feita com cravos, é necessário desamarrar o condenado e deitá-lo por terra com as espáduas sobre o patíbulo, puxar-lhe as mãos e cravá-las sobre as extremidades do patíbulo. Depois é que será levantado o réu já pregado no patíbulo, e este será enganchado no alto do “stipes” (ou haste vertical). Isto feito, nada mais resta, senão pregar-lhe os pés diretamente sobre o “stipes”.

4°) Guarda militar – Toda execução se devia fazer legalmente com um aparato inteiramente militar, sob as ordens de um centurião (…) O exército, que já se havia encarregado da flagelação, fornecida a escola para conduzir o condenado do tribunal ao lugar do suplício. Era ainda da escolta que se recrutavam os carrascos para a crucifixão. Devia, por fim, o exército regular fornecer uma guarda que velasse ao pé da cruz a fim de impedir que amigos viessem arrebatar o supliciados à cruz.

(…)

5°) Sepultura e insepulturaEm geral, os cadáveres ficavam na cruz para servir de pasto às aves e animais selvagens.

(…)

No entanto, os corpos podiam ser reclamados pelas famílias que quisessem assegurar-lhes uma sepultura decente, parece até que a lei facilitava sem dificuldades nem taxas esta última graça.

(…)

Assim pois, quando a família pedia o cadáver, o carrasco devia antes de tudo ferir o coração. Como geralmente o carrasco era um soldado, o golpe devia ser executado com a arma que tinha em mão, uma lança ou um dardo. Veremos que esse golpe no coração dado pelo lado direito do peito estava certamente bem estudado e conheci do como infalivelmente mortal, na esgrima dos exércitos romanos Dava, pois, toda segurança sobre a morte real do condenado… e, se fosse o caso, a provocaria.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 58-64.