“Por conseguinte, para perceber o pleno valor de que se revestem de figuras mitológicas que chegaram até nós, faz-se necessário compreender que elas não são, tão-somente, sintomas do inconsciente (como o são efetivamente todos os pensamentos e atos humanos), mas também declarações controladas e intencionais de determinados princípios de cunho espiritual, que permaneceram constantes ao longo do curso da história humana, como a forma e a estrutura nevrálgica da própria psique humana. .Em termos sucintos: a doutrina universal ensina que todas as estruturas visíveis do mundo – todas as coisas e seres – são o efeito de uma força ubíqua de que emergem, força essa que os sustenta e preenche no decorrer do período de sua manifestação e para a qual eles devem retornar quando de sua dissolução última. Trata-se da força que a ciência conhece como energia, os melanésios como Mana, os índios sioux como Wakonda, os hindus como Shakti e os cristãos como poder de Deus. Sua manifestação na psique que é denominada, na psicanálise, libido. E sua manifestação no cosmo constitui a estrutura e o fluxo do próprio universo.
A apreensão da fonte desse substrato do ser, indiferenciado e, não obstante, particularizado nos quatro cantos do mundo, é frustrada pelos próprios órgãos por meio dos quais deve ser realizada. As formas de sensibilidade e as categorias do pensamento humano, elas mesmas manifestações dessa força, limitam a mente num grau tão considerável, que normalmente é impossível, não apenas ver, como também conceber, além do colorido, fluido, infinitamente variegado e deslumbrante espetáculo fenomênico. A função do ritual e do mito consiste em possibilitar e por conseguinte facilitar, o salto – por analogia. Formas e conceitos que a mente seus sentidos podem compreender são apresentados e organizados de um modo capaz de sugerir uma verdade ou uma abertura que se encontram mais além.”
Campbell, Joseph. O herói de mil faces. Pensamento, São Paulo, 2007, p. 255.